#04 | A minha bolsa amarela
Sobre vontades que crescem em silêncio, sonhos que aprenderam a esperar e o desejo de transformar o que mora dentro da gente em realidade.
Esses dias, reli A Bolsa Amarela, da Lygia Bojunga. Foi como sentar com a minha criança interior pra tomar um café — só que em vez de pães, tinha confissões. Lá estava a Raquel, com sua bolsa cheia de vontades escondidas.
Li este livro quando tinha apenas dez anos. Era um paradidático obrigatório na escola, mas eu gostei tanto, que nunca me desfiz dele.
As três principais vontades da Raquel eram:
Crescer – Ela se sentia inferiorizada por ser criança e queria ter mais voz e autonomia.
Ser menino – Porque percebia que os meninos têm mais liberdade e são mais ouvidos do que as meninas.
Ser escritora – Ela tinha o sonho de contar histórias, mas sentia que ninguém levava isso a sério.
Apesar de ser uma obra voltada para o público infantil, ela traz lições profundas que tocam em temas universais. Recomendo a leitura em qualquer idade!!
E então, após finalizar a releitura, eu me perguntei:
O que tem na minha bolsa amarela?
Eu nem precisei pensar muito.
Ali, meio encolhidas no fundo, encontrei três vontades que me acompanham faz tempo:
De pintar
De ser escritora (igual a Raquel!)
E a de ficar rica (sim, isso mesmo)
A vontade de pintar
Quando pintei meu primeiro quadro com tinta acrílica eu tinha 14 anos. Foi uma releitura de “Starry Night” e foi ali que percebi que, se me dedicasse, poderia ter jeito para a coisa. Durante a pandemia, 4 anos depois, comprei várias telas e tintas e comecei a pintar por hobby. Era terapêutico, até.
Com a correria da vida adulta, o trabalho e faculdade, deixei essa vontade de canto. Guardei as tintas e pincéis em cima do guarda roupa e deixei as telas juntando pó em algum canto da casa.
Porém, duas semanas atrás fui na exposição “Van Gogh & Impressionistas”, e me deparei com a seguinte frase de uma das cartas dele ao irmão, Théo:
“Se escutar uma voz dentro de você dizendo ‘Você não é um pintor’, então pinte sem parar, de todos os modos possíveis, e aquela voz será silenciada.”
E ler aquela frase ali, com todos aqueles traços, cores, projeções, estrelas e girassóis, fez com que a minha vontade de pintar crescesse e “engordasse” como dizia Raquel.
Na minha mente a imagem daquela menina aprendendo a pintar se materializou e as inspirações começaram a surgir. Agora quero muito comprar uma tela e tirar a poeira dos pincéis.
A vontade de ser escritora
Não só escrever, mas viver disso. Ter leitores que sublinham minhas frases, que se veem em pedaços das minhas obras. Publicar um livro com meu nome na capa e saber que, em algum canto do mundo, alguém sorriu ou chorou por algo que escrevi.
Eu já comecei três livros. Nenhum deles foi pra frente. Desisti no meio, desanimei, duvidei de mim. Mas agora, existe um livro que ficou. Ele está crescendo devagarinho, entre as dúvidas e os tropeços, quando tenho um tempinho livre com bastante atenção para dedicar à história.
E é aqui que essa newsletter tem sido fundamental. Escrever nesse cantinho, com frequência, tem me ajudado a manter essa vontade de ser escritora “magrinha”, mais leve. Quando estou escrevendo aqui, sem a pressão de um livro completo ou de um projeto grande, a escrita se torna um exercício, algo mais solto, mais tranquilo. Não preciso que tudo seja perfeito ou grandioso. Só preciso escrever, e é nesse movimento simples que me sinto mais próxima da escritora que quero ser. Aqui não é sobre alcançar algo grande, mas sobre simplesmente fazer. E isso tem sido o suficiente. Por enquanto.
Trechinho do meu livro para vocês:
“ — Eu não consigo enxergar uma rotina aqui em que você não faça parte. Não consigo ir aos cafés e não me lembrar de você tomando o seu mocaccino com borda de avelã do outro lado da mesa, planejar uma ida à praia sabendo que não vou ouvir a sua gargalhada porque levou um caldo do mar enquanto pulava uma onda com o dobro do seu tamanho, passar na frente de uma floricultura e não lembrar do cheiro de seu perfume de lavanda na mesma hora.”
(aiai, esses protagonistas que se apaixonam primeiro)
A vontade de ficar rica
Pode até parecer engraçado, mas é verdade: eu quero ficar rica. Rica de dinheiro, sim, porque tô cansada de contas para pagar e das coisas que eu preciso e quero comprar. Quero estabilidade, poder escolher sem medo, viajar sem preocupações, tomar meu café superfaturado sem culpa.
Mas a riqueza que eu realmente busco vai além do que aparece na conta bancária. Eu também quero ser rica de tempo — o tempo que tanto me falta para me dedicar ao que realmente amo.
Autonomia para poder passar horas escrevendo. Pintar quando a inspiração bater.
Não quero mais esperar que o “momento certo” chegue. Quero poder escolher quando fazer cada coisa, no meu ritmo, sem precisar encaixar minha criatividade entre compromissos e obrigações.
Quero ser rica de liberdade — a liberdade de me entregar ao que me move, de dar espaço às minhas vontades e não às expectativas que a vida e o mercado impõem.
E sim, a realidade também me mostra que, para viver assim, eu preciso de uma base sólida. Não dá para continuar criando sem saber que isso pode se transformar em algo que sustente a minha vida e as minhas paixões. A escrita e a pintura são minhas expressões mais sinceras, mas para eu poder dedicar meu tempo a elas com o foco que merecem, preciso de algo que me permita viver disso.
A vontade de ficar rica, na real, não é sobre luxo ou ostentação. É sobre construir uma vida onde eu possa ser eu mesma, viver minhas vontades, e fazer do que amo uma forma de sustentar os meus sonhos.
Essa é a minha vontade insaciável, que nunca para de crescer.
Hoje, são essas. Amanhã, quem sabe?
Na realidade, tenho várias vontades. Muitas mesmo.
Assim como a Raquel, carrego na minha bolsa lembranças, coisas que gosto, manias antigas e desejos que vez ou outra mudam de forma. E, entre tudo isso, essas são as vontades que ocupam mais espaço na minha bolsa atualmente.
Pode ser que, em algum momento, outra vontade que hoje é só um pedacinho de papel cresça e ocupe todo o espaço. Pode ser que essa bolsa mude de forma, de cor ou até de tamanho. Mas, por enquanto, são essas três que têm pesado um pouco mais aqui dentro.
“Às vezes a gente quer muito uma coisa e então acha que vai querer a vida toda. Mas aí o tempo passa. E o tempo é o tipo de sujeito que adora mudar tudo.”
— Lygia Bojunga “A Bolsa Amarela”
E você?
O que tem guardado na sua bolsa amarela?
Quais são as vontades que têm ocupado mais espaço por aí?
Por hoje é isso, pessoal!
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Oi, Mari! Li seu texto e gostei muito, também li a Bolsa Amarela quando criança - minha mãe é professora e me fez ler alguns livros da Lygia - mas, de todos, a Bolsa amarela é definitivamente um dos meus preferidos. A comparação que você fez entre si e a Raquel é muito legal, espero que fique rica logo, pinte seus quadrdos e seus textos sejam reconhecidos, me diverti lendo esse texto. Sobre as minhas vontades, levando em conta que a pergunta não seja retórica, penso que é o desenho e a fotografia e também ficar rico! Esse negócio de ter que se preocupar com as contas e acordar em horários determinados para trabalhar não combina com o estilo de escritor que vira noite escrevendo e bebendo kkkk
👏🏻